quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Da janela, o corcovado

Um musical infanto-juvenil, um sanduíche de glúten à milanesa, um sarau literário, um certo Chico Buarque de Hollanda...Tudo acontece no Leblon.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, a primeira parada foi no Leme, localizado em um dos extremos da praia de Copacabana. A chuva havia concedido algumas horas de trégua e os amigos que gentilmente me levaram de carro até a cidade paravam ali para encontrar com a senhora que os hospedaria na Tijuca. Alguns minutos mais tarde e eu reencontrava uma amiga do tempo de colégio em frente ao posto seis da mesma praia. Porém, seria longe dali, no telenovelísticamente conhecido bairro do Leblon, onde eu viveria as maiores surpresas desta viagem.
Ricardo Maia, também amigo dos tempos nem um pouco remotos do colégio estreiava seu musical no Teatro Leblon naquela mesma semana. Dele partiu o convite e a hospedagem para que as incredibilidades prenunciadas dias (e posts) antes de fato se concretizassem. A estréia foi um sucesso e a curiosidade do jovem ator, cantor e dançarino o fez assistir à apresentação do segundo elenco, formado pela mesma escola de musicais em que estuda - a Catsapá. Como minha entrada se mostrou dificultada e o interesse pela apresentação do segundo elenco reduzido, preferi permanecer do lado de fora do Teatro Leblon, me divertindo entre os livros, CD's e DVD's da livraria "do Conde".
Um momento de desatenção, porém, e eu entrava em um pequeno restaurante vegetariano, bem ao lado do teatro. No cardápio, despertou especial interesse o "sanduíche de glúten à milanesa". Como quase tudo o que vejo nas prateleiras dos supermercados "não contém glúten" e eu nunca soube ao certo o que isso era, resolvi pedir. O pedido chegou acompanhado de alguém inesperado (Não. Ainda não foi o Chico). Era uma mulher alta, que vestia um sobretudo preto, e trazia um cachecol enrolado no pescoço, sob o volumoso cabelo castanho escuro preso no alto da nuca. Uma figura minimamente excêntrica em vésperas de verão carioca.

O nome, não menos curioso, é Cristina Terra, jornalista e poeta. Residente do Jardim Botânico, ela fora trazida naquela noite até o Leblon por um compromisso literário: um sarau que se iniciaria dentro de poucos instantes, na já mencionada livraria do Conde. Ela passou um tempo me convencendo de que eu deveria visitar o "Refeitório Orgânico", em Botafogo, no dia seguinte. A conversa foi mais ou menos assim: "Como você se chama?" - "Roberto" (...) " Como você se chama mesmo?" - Roberto (...) "Mas Alexandre, você tem que conhecer o refeitório!"

Levantou, pagou e saiu, com Maiakovsky na bolsa e o cachecol no pescoço. Ah! Não sem antes me perguntar como andava Belo Horizonte, cidade que visitou ainda na época em que a Feira Hippie era na Praça da Liberdade. Terminei o delicioso sanduíche de glúten à milanesa (era delicioso mesmo) e caminhei alguns passos até o segundo piso da livraria, onde uma turma composta por homens, mulheres e algumas crianças, recitava poemas, a maioria de autores estrangeiros, e discutiam suas respectivas traduções para o português. Os versos atravessavam a sala, vindos cada hora de um canto e faziam rodopiar a poltrona giratória em que se divertia uma garotinha. Meus pensamentos já estavam longe quando meu amigo, Ricardo Maia, "finalmente" me encontrou. Despedi-me de Cristina com os tradicionais dois beijinhos cariocas e saí. Ricardo não entendeu nada.

* * *

No dia seguinte, me preparava para assistir novamente ao musical, mas desta vez com o elenco do Ricardo. Caminhava pelas ruas do Leblon, indicando o caminho, quem diria, para uma mineira que mora no Rio há três meses e que deixou o abrigo entre as montanhas para ser guia turística na cidade maravilhosa. Qual não foi minha surpresa ao alcançar a portaria da sala Marília Pêra, no Teatro Leblon, e dar de cara com uma silhueta alta e magra, cabelos grisalhos, pele enrugada, olhos intesamente azuis, Chico, Buarque! Assisti à peça inquieto. Era o grande cantor e compositor da música popular brasileira. A trilha sonora viva de todo o país.

"Chico, tira uma foto comigo". Ele concordou com um gesto e respondeu o agradecimento com o mesmo. Não disse um A. Não precisava. Era o Chico.

* * *
As gotas de chuva se perseguiam no vidro da janela do ônibus que me trouxe de volta à cidade natal. Ora distraído, ora sonolento, dividi minhas sete horas de viagem entre cochilos, músicas e piauí (na capa da edição especial de natal, um coelho de cuecas no lugar do papai noel). "Muitas histórias pra contar...", já dizia a letra da música interpretada pela bela voz de minha amiga Marcela Pieri. Já era noite quando o ônibus parou na rodoviária de Belo Horizonte. Tudo o que precisava era de um bar que me acolhesse.

2 comentários:

tina e thor disse...

gostei da sua resenha.
feliz natal .

Isabela Machado disse...

WTF????????????? É você e o Chico Buarque de Holanda??? Ô céus! Como você não me contou isso??? Já conversei com você tantas vezes! Você falou que a futura esposa dele está aqui em BH esperando-o???