Madonna provou que nem tudo que é doce se derrete na chuva.
"Ainda que chova...
O show tem que continuar". A frase, muito mais trágica traduzida do inglês "though it's raining, it has to go", dita por Madonna em um momento do show foi o espírito incorporado por 75 mil corpos molhados que assistiam à rainha do pop debaixo da chuva insistente que caiu nesta noite no Rio de Janeiro. Ela ainda emendou: "porque se o show não continuar, vocês ficarão aqui", sem dispensar a pretensão a que a coroa lhe dá direito. Mas essa história não começa aqui.
Há 200 anos, aportava em São Sebastião do Rio de Janeiro, a família real portuguesa. A transferência da corte teve profundas implicações nos futuros desdobramentos políticos e culturais do país, entre eles, e talvez o mais importante: a independência. 160 anos após a chegada de D. João VI a estas terras, chegava a rainha Elizabeth II da Inglaterra, no ano de 1968. Enquanto esteve aqui, Elizabeth foi capaz de estabelecer uma trégua ao ambiente tenso evocado pela ditadura militar. Após seu retorno a Buckingham, as máscaras voltariam a cair entre as autoridades brasileiras e seria oficialmente decretado o fim dos direitos individuais, através do Ato Institucional nº 5.
A transferência do reino do pop para o Brasil neste dezembro de 2008 ocorreu sem maiores agitações. O máximo de teor político que pode ser extraído de duas horas de aparição da rainha do pop, Madonna I - e para muitos, única - foi um clipe com flashes de líderes mundiais, crianças e mulheres de países pobres da África e Oriente Médio. Ao som de uma versão remixada das músicas "Beat goes on" e "Give it to me", as fotos pertubadoras eram exibidas como "get stupid", enquanto a rainha conclamava "It's time...Your world, your life, your choice" - tudo isso nos telões, claro, porque a verdadeira estava ocupada trocando de roupa. O clipe termina com a imagem vitoriosa de Barack Obama.
Antes e depois disso aconteceu tudo aquilo o que vocês já sabem e podem ler em qualquer endereço mais próximo e mais acessado do que o meu na internet. Mas outros detalhes merecem comentários. Madonna esperou a chuva para começar o show. (pediu desculpas pelo atraso). Foi acompanhada por um segurança com um guarda-chuva preto enorme toda vez que deixava a parte coberta do palco (com exceção de alguns momentos de maior euforia, que exigiriam do segurança malabarismos que nem mesmo a sombra da diva são capazes). Quando supostamente ela cantaria o que o público pedisse - e o público pediu "Like a virgin" - a rainha preferiu cantar "Express yourself". A justificativa foi um pouco embolada, ela disse que não gostava daquela música e corrigiu rapidamente "na verdade eu gosto, mas escolham outra". (lição: expressem-se, ainda que não sejam acatados).
Todo o resto se seguiu impecável. Quando a arquibancada mal acostumada do Rio de Janeiro entoou "Mêêêngo...", Madonna, sem entender nada, improvisou um "Êêêa...Êêêô" e continuou compondo as frases que iniciaram esse texto. Maria Joaquina teria dito, ao deixar o Rio de volta à Portugal, que nem nos calçados queria como lebrança a terra do Brasil. Elizabeth II e seus interesses comerciais foram um pouco mais modestos e inclusive desfilaram em um Rolls Royce pela Avenida Atlântica. Madonna I hospedou-se no sexto andar do Copacabana Palace Hotel de onde saiu apenas para o ensaio, no Maracanãzinho, e o show, no Maracanã. Chegou ao palco à bordo e um Kadillac. Durante sua passagem pelo Brasil, não beberá desse país nem a água.
Game over.
Um comentário:
eu muorro de inveja de ver a rainha assim, tão de perto.
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