terça-feira, 30 de dezembro de 2008

10,9,8,7,6,5,4,3,2,1, já!

Voltem para a Lua, que eu tentarei voltar à Terra

Em 2009, assunto que será explorado à exaustão pela nossa mídia despautada, muito mais do que, em 2008, o sonhador e portanto desinteressante ano de 1968, será os quarenta anos da chegada de alguns homens ao nosso satélite natural - a Lua. O feito, que só não se tornou catastrófico porque os astronautas conseguiram regressar à Terra, é considerado um dos maiores da humanidade.

Há quem sustente, entretanto, que os nobres desbravadores da galáxia não regressaram senão de um estúdio escondido em algum lugar de Los Angeles. São vários os indicadores que os teóricos da conspiração assinalam no vídeo que foi exibido nos televisores das melhores famílias naquele 20 de julho de 1969.

Antes disso, entretanto, Hollywood já havia dado mostras de que, se fosse para ir ao espaço, teria feito bem melhor do que aquilo e com um orçamento muito menor do que os incríveis US$20 bilhões mobilizados por empresas e trabalhadores americanos a fim de que a missão Apolo 11 atingisse a superfície lunar.

Um ano antes, Stanley Kubrick encantava o mundo com um espetáculo de imagens inigualável em "2001: uma odisséia no espaço". A genialidade do diretor deu origem a uma sátira poderosa das relações entre homem e máquina e de seus perigosos desdobramentos em um futuro próximo. À medida em que a nave, controlada por um computador "infalível" e obstinado, e seus cinco tripulantes (três deles em estado de "hibernação induzida") avançam em direção ao misterioso planeta Marte, o filme se envolve em um clima de tensão que poucos, além de Kubrick, conseguem criar.

Mas muito antes disso, remontando o próprio surgimento do cinema, no ano de 1902, "Viajem à Lua", do diretor francês Georges Méliès já alimentava a curiosidade de seus privilegiados espectadores. O curta metragem inspirado na obra "Da Terra à Lua"(1865) de Júlio Verne, retrata a viagem de aventureiros que seguem até a Lua - que possui contornos antropomórficos - à bordo de uma bala lançada por um gigantesco canhão e retornam à Terra, ou melhor, ao fundo do oceano, onde os tripulantes descobrem os "segredos do mar" e de suas criaturas fantásticas. Ao chegar em Paris, todos são recebidos como heróis.

Antes de ser explorada pela sétima arte, entrentanto, a Lua e o "luar" já despertava o fascínio de músicos, escritores e poetas. Quando, devido à chegada de alguns homens em solo lunar, tamanho encanto se viu ameaçado, o cantor e compositor brasileiro, Gilberto Gil, conclamou: "Poetas, seresteiros, namorados, correi/É chegada a hora de escrever e cantar/Talvez as derradeiras noites de luar(...)/E lá se foi o homem conquistar\os mundos lá se foi/Lá se foi buscando a esperança que aqui já se foi/Nos jornais manchetes,sensação,/reportagens, fotos, conclusão:/A Lua foi alcançada afinal, muito bem/ confesso que estou contente também." Mas o final da canção é desolador: "A mim me resta disso tudo uma tristeza só/Talvez não tenha mais luar para clarear minha canção/O que será do verso sem luar?/O que será do mar, do violão?"

Enquanto ainda resistem lua e luar, celebremos a chegada de mais um novo ano. Brindemos e aguardemos as edições especiais "40 anos do homem na Lua". Consigo emergir até a mente de muitos editores para descobrir as dúvidas, não suas, mas "de seus leitores". "Detalhes da missão que levou o homem à Lua", "40 anos depois, descubra os planos da NASA para voltar ao nosso satélite", e coisas do tipo.

Enquanto isso, dentro de uma sala da Agência Espacial Norte Americana, cientistas planejam os próximos saltos gigantescos da humanidade. Aliás, se aquela transmissão televisiva de julho de 1969 foi realmente uma obra de ficção, seus roteiristas mereceriam um prêmio. A frase "um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade", pronunciada pelo astronauta - ou ator? - Neil Armstrong entrou para o hall das "inesquecíveis". Em segundo lugar na corrida das frases espaciais: "A Terra é azul", do soviético Yuri Gagarim. Poucos se lembram do segundo trecho da frase: "e eu não ví Deus". Mas, afinal, quem precisa se lembrar dele?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Da janela, o corcovado

Um musical infanto-juvenil, um sanduíche de glúten à milanesa, um sarau literário, um certo Chico Buarque de Hollanda...Tudo acontece no Leblon.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, a primeira parada foi no Leme, localizado em um dos extremos da praia de Copacabana. A chuva havia concedido algumas horas de trégua e os amigos que gentilmente me levaram de carro até a cidade paravam ali para encontrar com a senhora que os hospedaria na Tijuca. Alguns minutos mais tarde e eu reencontrava uma amiga do tempo de colégio em frente ao posto seis da mesma praia. Porém, seria longe dali, no telenovelísticamente conhecido bairro do Leblon, onde eu viveria as maiores surpresas desta viagem.
Ricardo Maia, também amigo dos tempos nem um pouco remotos do colégio estreiava seu musical no Teatro Leblon naquela mesma semana. Dele partiu o convite e a hospedagem para que as incredibilidades prenunciadas dias (e posts) antes de fato se concretizassem. A estréia foi um sucesso e a curiosidade do jovem ator, cantor e dançarino o fez assistir à apresentação do segundo elenco, formado pela mesma escola de musicais em que estuda - a Catsapá. Como minha entrada se mostrou dificultada e o interesse pela apresentação do segundo elenco reduzido, preferi permanecer do lado de fora do Teatro Leblon, me divertindo entre os livros, CD's e DVD's da livraria "do Conde".
Um momento de desatenção, porém, e eu entrava em um pequeno restaurante vegetariano, bem ao lado do teatro. No cardápio, despertou especial interesse o "sanduíche de glúten à milanesa". Como quase tudo o que vejo nas prateleiras dos supermercados "não contém glúten" e eu nunca soube ao certo o que isso era, resolvi pedir. O pedido chegou acompanhado de alguém inesperado (Não. Ainda não foi o Chico). Era uma mulher alta, que vestia um sobretudo preto, e trazia um cachecol enrolado no pescoço, sob o volumoso cabelo castanho escuro preso no alto da nuca. Uma figura minimamente excêntrica em vésperas de verão carioca.

O nome, não menos curioso, é Cristina Terra, jornalista e poeta. Residente do Jardim Botânico, ela fora trazida naquela noite até o Leblon por um compromisso literário: um sarau que se iniciaria dentro de poucos instantes, na já mencionada livraria do Conde. Ela passou um tempo me convencendo de que eu deveria visitar o "Refeitório Orgânico", em Botafogo, no dia seguinte. A conversa foi mais ou menos assim: "Como você se chama?" - "Roberto" (...) " Como você se chama mesmo?" - Roberto (...) "Mas Alexandre, você tem que conhecer o refeitório!"

Levantou, pagou e saiu, com Maiakovsky na bolsa e o cachecol no pescoço. Ah! Não sem antes me perguntar como andava Belo Horizonte, cidade que visitou ainda na época em que a Feira Hippie era na Praça da Liberdade. Terminei o delicioso sanduíche de glúten à milanesa (era delicioso mesmo) e caminhei alguns passos até o segundo piso da livraria, onde uma turma composta por homens, mulheres e algumas crianças, recitava poemas, a maioria de autores estrangeiros, e discutiam suas respectivas traduções para o português. Os versos atravessavam a sala, vindos cada hora de um canto e faziam rodopiar a poltrona giratória em que se divertia uma garotinha. Meus pensamentos já estavam longe quando meu amigo, Ricardo Maia, "finalmente" me encontrou. Despedi-me de Cristina com os tradicionais dois beijinhos cariocas e saí. Ricardo não entendeu nada.

* * *

No dia seguinte, me preparava para assistir novamente ao musical, mas desta vez com o elenco do Ricardo. Caminhava pelas ruas do Leblon, indicando o caminho, quem diria, para uma mineira que mora no Rio há três meses e que deixou o abrigo entre as montanhas para ser guia turística na cidade maravilhosa. Qual não foi minha surpresa ao alcançar a portaria da sala Marília Pêra, no Teatro Leblon, e dar de cara com uma silhueta alta e magra, cabelos grisalhos, pele enrugada, olhos intesamente azuis, Chico, Buarque! Assisti à peça inquieto. Era o grande cantor e compositor da música popular brasileira. A trilha sonora viva de todo o país.

"Chico, tira uma foto comigo". Ele concordou com um gesto e respondeu o agradecimento com o mesmo. Não disse um A. Não precisava. Era o Chico.

* * *
As gotas de chuva se perseguiam no vidro da janela do ônibus que me trouxe de volta à cidade natal. Ora distraído, ora sonolento, dividi minhas sete horas de viagem entre cochilos, músicas e piauí (na capa da edição especial de natal, um coelho de cuecas no lugar do papai noel). "Muitas histórias pra contar...", já dizia a letra da música interpretada pela bela voz de minha amiga Marcela Pieri. Já era noite quando o ônibus parou na rodoviária de Belo Horizonte. Tudo o que precisava era de um bar que me acolhesse.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Uma consoante, quatro vogais

Após a tradicional edição de segundo aniversário, piauí abre as portas e revela os segredos de sua redação. Tem até João Moreira Salles de bigode.



Com 35cm de comprimento por 26,5cm de largura, não há dúvidas em apontar "piauí" como uma das maiores revistas do país. Suas formas avantajadas não cabem em bolsas de mulher, tampouco em planilhas publicitárias e, entre suas páginas, as gravuras se apertam para ilustrar o enorme volume de textos. Na opinião treinada de um marqueteiro, ambos os projetos gráfico e editorial da revista certamente não levariam a publicação a lugar nenhum. Ledo engano.

Na Glória desde sua estréia, em outubro de 2006, mais precisamente no 4º andar do número 270, Rua do Russel, piauí já colhe os louros de quem, ainda que contra a corrente, acerta uma empreitada. Engana-se, no entanto, quem pensa que a Glória é difícil de ser alcançada. A menos de 100m da estação do metrô que recebe o mesmo nome do antigo bairro do Rio de Janeiro, a sede da revista e uma de suas editoras, Dorrit Harazim, abriram suas portas e agendas, respectivamente, para me receber às 11h da manhã chuvosa da última terça-feira, dia 16 de dezembro.

Com um gravador, caneta e papel nas mãos e a voz embargada pelo nervosismo de um iniciante, dei início à entrevista que foi praticamente conduzida pelos 35 anos de experiência de Dorrit na profissão. A senhora jornalista foi a primeira mulher brasileira a ser enviada para a cobertura da Guerra do Vietnã e também dirigiu a série de documentários "Travessias", produzidos pela Videofilmes e exibidos no canal GNT.

Sobre a piauí, ela fala do impacto inicial, quando nem eles mesmos, os criadores, sabiam o que iria lhes reservar o futuro. Primeiro porque "ninguém entendia o porquê de piauí, sem ser piauí." Foi preciso bastante tempo para que os leitores entendessem que fosse "justamente para isso: para nada." A sonoridade da palavra de origem indígena, a indagação que ela provocava acerca da identidade final da revista, e o fato de o estado do piauí ser um dos mais, senão o mais desconhecido pelos brasileiros, tendo sido inclusive esquecido por um mapa do IBGE, tudo isso se somou para que o nome prevalecesse para a revista que nascia para ser o "piauí da imprensa brasileira."

Porém, se o Estado do piauí continua amargando o esquecimento de parte das autoridades e da população do país, com a revista homônima o resultado foi surpreendente. Dorrit atribui algumas razões para isso. Primeiro que a revista atravessa várias gerações, o que não era esperado inicialmente. "Imaginávamos, que pelo número de letrinhas, os leitores seriam mais próximos da minha geração e a geração imediatamente anterior. O que aconteceu, e que pegou de surpresa, foi a paixão afetiva, declarada, sem grilo, da garotada universitária. Isso é uma coisa que não se consegue através de marketing. Acontece, felizmente." Um segundo motivo seria o elemento lúdico que envolve a publicação e que parte mesmo de suas capas, que propositalmente não dizem nada a respeito do conteúdo da revista. "A idéia da capa é que o leitor não saiba o que está comprando. E queremos, idealmente, que ele tenha algumas surpresas com os temas e as maneiras como foram contados."

Surpresas não faltam em meio à média mensal de 75 páginas que compõem a piauí. A não ser a "chegada" e a "despedida", nada é fixo na publicação. Os colaboradores, nacionais e internacionais, variam de edição para edição. "Nós não temos o compromisso burocrático com a revista de cumprir um roteiro básico quando não há conteúdo que mereça ser publicado. A seção diário, por exemplo, só é fixa enquanto nós acharmos que naquele número cabe novamente uma seção com estas características. Em determinado mês, eventualmente, nós vamos dizer não e vamos fazer uma edição inteira só com uma matéria", afirma a editora, deixando transparecer o clima de independência que envolve a produção da revista.

Concluída a entrevista, Dorrit se levanta para apresentar o restante da redação. Ela é pouco mais alta do que eu e os cabelos grisalhos não chegam a lhe atingir os ombros. Sobre o nariz, ela concerta os óculos de tempo em tempo. Parece tê-la surpreendido o interesse de um grupo de pesquisa mineiro sob a seção de cartas da piauí, que segundo ela é "um espelho, um retrato, de um conjunto de pequenas manias e brincadeiras nossas na redação." O espaço relativamente pequeno ocupado pela redação cria um clima propício para a troca de idéias entre a equipe. Em uma das paredes, a foto de João Moreira Salles, documentarista e "publisher" da revista, recebe um atraente bigode pichado à mão, o que reforça a poderosa hierarquia que governa a publicação. Na entrada, pingüins de todos os estilos, tamanhos, cores e materiais dão boas vindas aos visitantes.

Na sala de reuniões, onde Dorrit me recebeu, uma mesa com vários assentos, uma prancheta grande apoiada em um tripé e uma estante com livros, periódicos nacionais e internacionais, e três troféus em forma de pingüins, um dourado, um prateado e um em tom de cobre, disputam a atenção com os diversos quadros pindurados na parede branca, e que contêm as capas de cada edição da revista, pensada inicialmente para existir durante curtos dezoito meses - "tempo calculado para saber se a empreitada ganharia fôlego." Na mesma parede, os parafusos ainda à espera de uma capa indicam a intenção piauiense de atender à prece de todo bom leitor: "Vida longa à piauí!"

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Viagens Reais

Madonna provou que nem tudo que é doce se derrete na chuva.

"Ainda que chova...

O show tem que continuar". A frase, muito mais trágica traduzida do inglês "though it's raining, it has to go", dita por Madonna em um momento do show foi o espírito incorporado por 75 mil corpos molhados que assistiam à rainha do pop debaixo da chuva insistente que caiu nesta noite no Rio de Janeiro. Ela ainda emendou: "porque se o show não continuar, vocês ficarão aqui", sem dispensar a pretensão a que a coroa lhe dá direito. Mas essa história não começa aqui.

Há 200 anos, aportava em São Sebastião do Rio de Janeiro, a família real portuguesa. A transferência da corte teve profundas implicações nos futuros desdobramentos políticos e culturais do país, entre eles, e talvez o mais importante: a independência. 160 anos após a chegada de D. João VI a estas terras, chegava a rainha Elizabeth II da Inglaterra, no ano de 1968. Enquanto esteve aqui, Elizabeth foi capaz de estabelecer uma trégua ao ambiente tenso evocado pela ditadura militar. Após seu retorno a Buckingham, as máscaras voltariam a cair entre as autoridades brasileiras e seria oficialmente decretado o fim dos direitos individuais, através do Ato Institucional nº 5.

A transferência do reino do pop para o Brasil neste dezembro de 2008 ocorreu sem maiores agitações. O máximo de teor político que pode ser extraído de duas horas de aparição da rainha do pop, Madonna I - e para muitos, única - foi um clipe com flashes de líderes mundiais, crianças e mulheres de países pobres da África e Oriente Médio. Ao som de uma versão remixada das músicas "Beat goes on" e "Give it to me", as fotos pertubadoras eram exibidas como "get stupid", enquanto a rainha conclamava "It's time...Your world, your life, your choice" - tudo isso nos telões, claro, porque a verdadeira estava ocupada trocando de roupa. O clipe termina com a imagem vitoriosa de Barack Obama.

Antes e depois disso aconteceu tudo aquilo o que vocês já sabem e podem ler em qualquer endereço mais próximo e mais acessado do que o meu na internet. Mas outros detalhes merecem comentários. Madonna esperou a chuva para começar o show. (pediu desculpas pelo atraso). Foi acompanhada por um segurança com um guarda-chuva preto enorme toda vez que deixava a parte coberta do palco (com exceção de alguns momentos de maior euforia, que exigiriam do segurança malabarismos que nem mesmo a sombra da diva são capazes). Quando supostamente ela cantaria o que o público pedisse - e o público pediu "Like a virgin" - a rainha preferiu cantar "Express yourself". A justificativa foi um pouco embolada, ela disse que não gostava daquela música e corrigiu rapidamente "na verdade eu gosto, mas escolham outra". (lição: expressem-se, ainda que não sejam acatados).

Todo o resto se seguiu impecável. Quando a arquibancada mal acostumada do Rio de Janeiro entoou "Mêêêngo...", Madonna, sem entender nada, improvisou um "Êêêa...Êêêô" e continuou compondo as frases que iniciaram esse texto. Maria Joaquina teria dito, ao deixar o Rio de volta à Portugal, que nem nos calçados queria como lebrança a terra do Brasil. Elizabeth II e seus interesses comerciais foram um pouco mais modestos e inclusive desfilaram em um Rolls Royce pela Avenida Atlântica. Madonna I hospedou-se no sexto andar do Copacabana Palace Hotel de onde saiu apenas para o ensaio, no Maracanãzinho, e o show, no Maracanã. Chegou ao palco à bordo e um Kadillac. Durante sua passagem pelo Brasil, não beberá desse país nem a água.

Game over.



quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Je ne regrette rien

Como em 7h e 35min, e há quase 100h da apresentação, o jovem Roberto Romero se tornou uma dentre as 75 mil pessoas esperadas para o show de Veronica no Rio.

Eram sete horas da manhã quando meus olhos, ainda sonolentos, se despertaram ao perceberem que o carro já havia estacionado em frente à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. As copas das árvores agitadas pelo vento e a voz de uma faxineira contando para a amiga as últimas peripécias de Flora, vilã da novela das oito, eram os únicos sons que se escutavam nos semidesérticos corredores da FAFICH. A expectativa pelo último encontro com o mestre Hinojosa, renomado professor de Estatística, durou até às 8h, quando ele chegou e encontrou, além de mim, dois empolgados estudantes de Ciências Sociais. Por um momento, enquanto o professor aguardava a chegada de seu público e aproveitava para relatar suas opiniões desinteressantíssimas sobre sociologia, o assunto entre o pequeno grupo, agora enriquecido pela presença de mais três alunos, era Madonna Louise Veronica Ciccone e sua turnê musical pelo eixo Rio-São Paulo.

Com passagem marcada para as 14h do dia seguinte para São Sebastião do Rio de Janeiro, conjeturei a possibilidade de ir ao tão festejado show, que pode ser o último da cantora em terras brasileiras. A chance encontrava-se espalhada pelos murais do prédio, e a apenas R$200 de mim – não pensem que considero isso barato, mas diante das circustâncias... Mas o assunto estava encerrado. Não enfrentaria, sozinho, horas na fila da ave-solene (Maracanã, em tupi-guarani), ainda que a recompensa fosse doce e pegajosa. O relógio marcava pouco mais do que 9:30 da manhã, quando uma reviravolta aconteceu.

Isabela Chimeli tem 21 anos e alguns livros na bagagem, o que me permite considerá-la uma pessoa de opiniões sensatas. Em um breve comentário que fiz sobre a insanidade que seria ir ao show sozinho, ela respondeu: “Por que você não vai com a minha irmã? Ela viaja sábado de manhã e acho que tem espaço no carro. Quer que eu ligue para ela?”. Em menos de vinte minutos e três telefonemas, eu estava prestes a me tornar mais um dentre as 75 mil pessoas que são esperadas no Estádio para a apresentação de Veronica, a rainha do pop.

Mais de um milhão de pessoas andam, comem, compram ou dormem no centro de Belo Horizonte diariamente, mas muito provavelmente somente uma entrou no Shopping Cidade às dez para três da tarde para encontrar com o garoto que lhe venderia o ingresso para o show de Veronica. Um telefonema, e o trânsito na Av. Raja Gabaglia atrasaria o encontro marcado para as 15h. A solução foi me afastar da pista onde adolescentes e crianças brasileiros exibiam suas habilidades deslizando no gelo, uma das atrações do verão local, e entrar nas Lojas Americanas para me distrair, conferindo os últimos lançamentos em CD e DVD do melhor natal do Brasil. Os 15 minutos que demorei na fila do caixa para pagar um compact disc de Edith Piaf em “La vie en Rose”, que no início deste ano disputou as atenções com Veronica e seu “Hard Candy”, foram suficientes para que uma calça preta com camisa listrada e um ingresso da renner para o show chegassem ao centro comercial.

As peças descritas por telefone vestiam um garoto alguns centímetros mais alto do que eu e de nome pouco usual: Lucas. Ele pediu que entrássemos novamente nas Lojas Americanas para efetuarmos a troca. De dentro da mochila, ele tirou um envelope e de dentro do envelope, o ingresso. Lucas explicou detalhadamente todas as informações que estavam contidas no bilhete ao passo que eu, já nervoso, temia que algum louco e fã de Veronica me perseguisse pelas ruas do centro atrás da preciosidade. Lucas, entretanto, e não lhe nego a razão, parecia muito mais preocupado com a possibilidade de um são e não necessariamente fã da cantora, tipo muito mais fácil de se encontrar nas ruas do centro, lhe roubar os R$200 e a chance de um intercâmbio, para o qual está economizando sonhos como o de assistir à material girl.

A próxima parada foi à esquina entre Rio de Janeiro – a rua – e Caetés, onde esperei por Ricardo Lima, um dos fãs loucos de Veronica que freqüentam a região central da cidade, mas que não representava perigo devido à recente amizade que acredito partilhar com ele. Lima, ou laranja – fruta ou cor pela qual prefere ser chamado – estava com um artigo essencial para minha ida ao show e à São Sebastião: minha câmera fotográfica. Clique. Só faltava ir à estação rodoviária mais próxima – o que não era difícil, já que em Belo Horizonte só existe uma que ainda está localizada no centro – e trocar a passagem do dia seguinte por uma de retorno, já que a ida estava garantida com a irmã de Isabela Chimeli.

Às cinco horas e cinco minutos desta mesma tarde, Roberto Romero chegava em casa exausto, porém satisfeito com as realizações do dia. Em menos de 100h, terá vivido incredibilidades, prometidas por uma viagem que já começa surpreendente. Ouvindo um dos companheiros de casa arranhar algo no violão na sala ao lado, o autor se lembra das 38 páginas de um texto que ainda tem que resumir. As comemorações, assim como novos relatos, terão de ficar para mais tarde.

Merry christmas à brasileira

Ela garante a melhor energia do Brasil, e o maior dos meus pesadelos de natal.

O papai Noel acaba de chegar ao prédio da Cemig ao som de “We wish you a merry christmas”, confirmando o nacionalismo exarcebado da estatal mineira. Para mim, que moro a menos de 30m de distância do imponente prédio que pode ser visto de quase toda a região central de Belo Horizonte, a chegada do Papai Noel na Cemig e a conseqüente ativação da iluminação do prédio e das árvores da Av. Barbacena confirmam a chegada de mais um Natal.

No ano anterior, e disso me lembro bem, o tema natalino da empresa era o aquecimento global. Ursos polares, de meia em meia hora, se encaminhavam até o papai Noel com um único pedido: que ele os salvasse do aquecimento que tem destruído seus lares no pólo norte. Para os animaizinhos terem descido até os trópicos em pleno verão para fazer este pedido, é porque a coisa devia estar realmente feia por lá, não? (Isso porque, como reza a lenda, o papai Noel habita aquelas regiões nos outros 364 dias do ano, ou melhor, 363, porque em outro ele está na Cemig)

Mas chega de espoliar as causas nobres da melhor energia do Brasil. Sentado em frente ao computador, aguardo ansioso para descobrir o tema com o qual a Cemig irá brindar a mim e aos meus companheiros de casa, Júlia e Walmir, no natal deste ano. No momento, o coral mirim de algum lugar do interior de Minas Gerais se apresenta, embora eu só esteja escutando o som desafinado de uma tuba (coisa de quem se recusou, por preguiça, a atravessar a rua e assistir ao espetáculo).

Os aplausos já se fazem audíveis. Em breve o mestre de cerimônias anunciará: “...”. Mas não, o show tem que continuar e a banda – ou coral mirim, já não sei mais – prossegue sua apresentação com uma das músicas temas do nosso natal: “Ainda ontem chorei de saudade”. Enfim o mestre de cerimônias se pronuncia para anunciar a apresentação de um grupo de dança, que infelizmente está fora de meu alcance visual narrar para os leitores. (Posso apenas informar que houve problemas de som e que a música interpretada pelas bailarinas foi outro clássico do natal brasileiro: “Garganta” de Ana Carolina).

Não resisto e corro até a janela do meu quarto para ver se o prédio já está iluminado e qual é a minha decepção quando percebo que ainda não. De fato seria incoerente a empresa acender suas luzes às 18:30 em pleno horário de verão, cujo objetivo é justamente manter as luzes da cidade apagadas até esta altura do dia. Logo me conformo. Prossigo escutando as performances musicais que agora alternam entre uma legítima canção flamenca e um autêntico hip e hop, o que confirma as disposições multiculturalistas da estatal.

No entanto, a inércia com que a programação do evento é cumprida acaba me desmotivando de continuar com a cobertura. Chegaria na redação do jornal e simplesmente diria que “não dava matéria”. As palmas agora são esparsas e o som distante de uma flauta relembra que tudo aquilo ainda se trata de uma comemoração natalina. Ansioso por saber o tema que irá suportar este ano, porém vencido pelo cansaço, o autor do texto se despede.

* * *

Às 19:43 minutos, a voz animada do mestre de cerimônias convocou a platéia a iniciar a contagem regressiva e a mim para retornar ao computador. Em dez segundos, as luzes de natal contagiaram a agitada Av. Barbacena ao som de “Aleluia” – quanta espirituosidade! Até o fechamento deste post, não foi possível perceber se os ursos polares voltaram esse ano.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Romero presta explicações


Ao digitar o domínio “blogspot.com” na pesquisa avançada do Google, são registradas 316 milhões de ocorrências. O número, que provavelmente não é tão exato assim, é digno de espanto. No mínimo, esconde um certo aviso de que “não precisamos de mais ninguém”.

Imagine então dividir uma redação com 316 milhões de pessoas? De todas as origens, nacionalidades, inspirações... Algumas nitidamente toscas e outras estritamente sérias. Dos últimos atentados terroristas em Mumbai a relatos intendiantes de suas vidas pessoais, lê-se de tudo nos blogs. Alguns atingem o brilho da fama, outros permanecem esquecidos até que, por fim, seus próprios autores se esquecem deles. Surgem classificações, conceitos, pré-conceitos... Aos poucos o grupo dos que mantêm um blog adquire consciência de classe: “somos blogueiros”. Se tanta gente dá conta de tantos assuntos, é ao menos razoável se perguntar “por quê mais um blog?”.

Bem, voltando à pesquisa avançada do Google e acrescentando a palavra “pirâmide”, sem a expressão “Egito”, as ocorrências caem para 142 mil. Tudo bem, o número ainda é alto. Mas se procuro pela expressão “pirâmide não invertida” com as palavras “Roberto”, “Romero” e sem a expressão “Egito”, nenhuma ocorrência é registrada.

Esse me parece motivo suficiente para inaugurar este blog.