sábado, 20 de dezembro de 2008

Uma consoante, quatro vogais

Após a tradicional edição de segundo aniversário, piauí abre as portas e revela os segredos de sua redação. Tem até João Moreira Salles de bigode.



Com 35cm de comprimento por 26,5cm de largura, não há dúvidas em apontar "piauí" como uma das maiores revistas do país. Suas formas avantajadas não cabem em bolsas de mulher, tampouco em planilhas publicitárias e, entre suas páginas, as gravuras se apertam para ilustrar o enorme volume de textos. Na opinião treinada de um marqueteiro, ambos os projetos gráfico e editorial da revista certamente não levariam a publicação a lugar nenhum. Ledo engano.

Na Glória desde sua estréia, em outubro de 2006, mais precisamente no 4º andar do número 270, Rua do Russel, piauí já colhe os louros de quem, ainda que contra a corrente, acerta uma empreitada. Engana-se, no entanto, quem pensa que a Glória é difícil de ser alcançada. A menos de 100m da estação do metrô que recebe o mesmo nome do antigo bairro do Rio de Janeiro, a sede da revista e uma de suas editoras, Dorrit Harazim, abriram suas portas e agendas, respectivamente, para me receber às 11h da manhã chuvosa da última terça-feira, dia 16 de dezembro.

Com um gravador, caneta e papel nas mãos e a voz embargada pelo nervosismo de um iniciante, dei início à entrevista que foi praticamente conduzida pelos 35 anos de experiência de Dorrit na profissão. A senhora jornalista foi a primeira mulher brasileira a ser enviada para a cobertura da Guerra do Vietnã e também dirigiu a série de documentários "Travessias", produzidos pela Videofilmes e exibidos no canal GNT.

Sobre a piauí, ela fala do impacto inicial, quando nem eles mesmos, os criadores, sabiam o que iria lhes reservar o futuro. Primeiro porque "ninguém entendia o porquê de piauí, sem ser piauí." Foi preciso bastante tempo para que os leitores entendessem que fosse "justamente para isso: para nada." A sonoridade da palavra de origem indígena, a indagação que ela provocava acerca da identidade final da revista, e o fato de o estado do piauí ser um dos mais, senão o mais desconhecido pelos brasileiros, tendo sido inclusive esquecido por um mapa do IBGE, tudo isso se somou para que o nome prevalecesse para a revista que nascia para ser o "piauí da imprensa brasileira."

Porém, se o Estado do piauí continua amargando o esquecimento de parte das autoridades e da população do país, com a revista homônima o resultado foi surpreendente. Dorrit atribui algumas razões para isso. Primeiro que a revista atravessa várias gerações, o que não era esperado inicialmente. "Imaginávamos, que pelo número de letrinhas, os leitores seriam mais próximos da minha geração e a geração imediatamente anterior. O que aconteceu, e que pegou de surpresa, foi a paixão afetiva, declarada, sem grilo, da garotada universitária. Isso é uma coisa que não se consegue através de marketing. Acontece, felizmente." Um segundo motivo seria o elemento lúdico que envolve a publicação e que parte mesmo de suas capas, que propositalmente não dizem nada a respeito do conteúdo da revista. "A idéia da capa é que o leitor não saiba o que está comprando. E queremos, idealmente, que ele tenha algumas surpresas com os temas e as maneiras como foram contados."

Surpresas não faltam em meio à média mensal de 75 páginas que compõem a piauí. A não ser a "chegada" e a "despedida", nada é fixo na publicação. Os colaboradores, nacionais e internacionais, variam de edição para edição. "Nós não temos o compromisso burocrático com a revista de cumprir um roteiro básico quando não há conteúdo que mereça ser publicado. A seção diário, por exemplo, só é fixa enquanto nós acharmos que naquele número cabe novamente uma seção com estas características. Em determinado mês, eventualmente, nós vamos dizer não e vamos fazer uma edição inteira só com uma matéria", afirma a editora, deixando transparecer o clima de independência que envolve a produção da revista.

Concluída a entrevista, Dorrit se levanta para apresentar o restante da redação. Ela é pouco mais alta do que eu e os cabelos grisalhos não chegam a lhe atingir os ombros. Sobre o nariz, ela concerta os óculos de tempo em tempo. Parece tê-la surpreendido o interesse de um grupo de pesquisa mineiro sob a seção de cartas da piauí, que segundo ela é "um espelho, um retrato, de um conjunto de pequenas manias e brincadeiras nossas na redação." O espaço relativamente pequeno ocupado pela redação cria um clima propício para a troca de idéias entre a equipe. Em uma das paredes, a foto de João Moreira Salles, documentarista e "publisher" da revista, recebe um atraente bigode pichado à mão, o que reforça a poderosa hierarquia que governa a publicação. Na entrada, pingüins de todos os estilos, tamanhos, cores e materiais dão boas vindas aos visitantes.

Na sala de reuniões, onde Dorrit me recebeu, uma mesa com vários assentos, uma prancheta grande apoiada em um tripé e uma estante com livros, periódicos nacionais e internacionais, e três troféus em forma de pingüins, um dourado, um prateado e um em tom de cobre, disputam a atenção com os diversos quadros pindurados na parede branca, e que contêm as capas de cada edição da revista, pensada inicialmente para existir durante curtos dezoito meses - "tempo calculado para saber se a empreitada ganharia fôlego." Na mesma parede, os parafusos ainda à espera de uma capa indicam a intenção piauiense de atender à prece de todo bom leitor: "Vida longa à piauí!"

Um comentário:

Juliana Felix disse...

você tem talento, robertinho... desde as aulas de redação que te falo isso...


sucessoooooo, te amo :)