sexta-feira, 17 de julho de 2009

Meus fios

A longa história dos meus cabelos




Nos últimos meses, inicialmente por experimentação estética e posteriormente por pura falta de tempo, meus fios de cabelo atingiram proporções intoleráveis para uma família cristã-católica-provinciana-mineira. As manifestações de reprovação começaram tímidas, compreensivas, mas no último fim de semana, se voltaram firmes, odiosas, contra os fios inocentes.

Não descarto a aparência revolucionária, esquerdista, "terrorista", que meus cachos possam inspirar. Mas confesso, nenhuma das correspondências equivale à intenção. Porque não há intenção. Se meus cabelos cresceram, custa aos outros acreditarem a inexistência de uma razão ou de um porquê. Cabelos crescem, naturalmente. Se eles encolhessem, isso sim me surpreenderia.

Mas não, o que os surpreende se traduz em uma das perguntas - e vale dizer, conclusões - que fazem para mim (ou para si mesmos?): "Você deixou cabelo e barba crescerem porque quer virar jornalista?"Qualquer esforço em tentar dizer que não é inútil. A esposa de um tio comenta de seu sobrinho, jornalista, com livros publicados e tudo mais, que possui as mesmas formas capilares "espichadinhas". Ela conclui que é mal da profissão.
Um tio abusa da ironia. Diz que meus cabelos estão "lindos demaisss", para logo completar: "corta isso aí menino!". Meu pai tenta explicar. Diz que ainda não tomou nenhuma providência mais rigorosa porque o comprimento ainda está no limite do aceitável (suspeito que este limite seja tão comprido quanto eu o deixar chegar). Afirma que por enquanto o menino "não sabe o que quer da vida..." Escuto perplexo e indefeso. Qual espécie de lógica permite associar comprimento do cabelo a opções, notavelmente profissionais, de vida. Quer dizer então que cabelos aparados é sinal de compromisso com a vida? Impossível não pensar na dezena de atividades que exerço e que são totalmente relevadas pela discussão que se trava sobre meus fios.
O esposo de uma tia, este calvo e redondo, também reclama. Na sua maneira tosca de brincar, ele maldiz esse cabelo "que não sabe se é de homem ou de mulher!"Começo a pensar se é mesmo o comprimento que os incomoda a todos ou se não seria o caráter crespo de meus fios. Lisos, meus cabelos incomodariam tanto? Estão longos demais, ou negros demais? Não sei mais onde começa e onde termina o preconceito.

Raros perguntam, ou se importam, se estou bem. Se inquirem sobre os cursos é sempre o indispensável para, em alguma outra conversa, me citarem como exemplo de estudante. As Ciências Sociais, como ninguém sabe ou quer saber o que são, sempre é vista como um apoio ao jornalismo. "Isso vai te ajudar a trabalhar com televisão?", pergunta a esposa de um tio. Outra, desta vez uma prima, me toma como exemplo para seu filho que este ano tenta o vestibular: "O menino estuda de manhã, à tarde trabalha na favela, e à noite estuda também". O "trabalho na favela" trata-se, provavelmente, do Jornal da Rua, que outra tia, que me assisstiu em entrevista na TV Uni-BH, em que mencionei o projeto, deve ter divulgado entre os familiares.

Esta mesma tia me toca com sua admiração por ter me "visto na televisão". Só me pergunto se, caso não aparecesse na TV, o projeto de pesquisa que estaria desenvolvendo da mesma forma despertaria tamanho orgulho.
Voltando à raiz da questão, ou seja, meus fios capilares, penso. Tamanha reação desperta em mim uma vontade antes inexistente: a de não cortá-los. Eles adquiriram uma simbologia que agora envolve me submeter às vontades de meus familiares. Se antes, cortá-los ou não representava nenhuma diferença, hoje representa toda. Além disso, uma vontade de descobrir cada centímetro; a idéia de que me conheço da ponta de meus cabelos pra baixo e acima disso, descobertas...
Hoje reclamam do meu cabelo não curto, amanhã, do meu não casamento, dos meus não filhos, do meu não carro, da minha não casa própria. Sempre na tentativa obstinada de me prender ao mesmo "tic-tac" de seus relógios atrasados.

6 comentários:

Rafael Soal disse...

não sei por que... mas me identifiquei com esse texto!
:D

Luís Carlos disse...

achei digna a opinião do pai haha

Nayran Marcos disse...

Estou passando por esta fase também! hehe. Aki, encontrei um texto muito bom, um bate papo excelente sobre antropologia e comunicação com Ricardo Nespoli: http://www.chmkt.com.br/2009/07/papo-cabeca-ricardo-nespoli.html
Depois fala o que achou! Ok?

Bela disse...

Robert,
só começar o calor de novo que você resolve cortar. Também acho que isso de deixar cabelo crescer não tá com nada. Nós vamos juntos na moça que não é afro, não adianta. Por mais que estejamos morenos.
Um beijo com saudade já

pedrhenrik disse...

I like it!
E minha prima vai ficar morrendo de inveja, ja te disse.. rsrs

Denise Costa disse...

Oi gato,

verdade pura. Falarão dos não filhos, da não casa própria e da não aposentadoria.

beijos